Como ressalva inicial, uma boa gestão atuarial não está necessariamente relacionada com a natureza do resultado técnico – se superávit ou déficit. É possível haver uma boa gestão atuarial num plano deficitário, assim como uma má gestão atuarial num plano superavitário.
Eu explico...
O termo Gestão Atuarial no mundo dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) é algo novo. Até então, salvo raras exceções, a palavra “atuarial” geralmente vinha acompanhada de “cálculo” quando dita pelos gestores desses regimes.
A preocupação muitas vezes se limitava ao cumprimento das exigências que partiam da Secretaria de Previdência, e estas, por sua vez, também estavam limitadas à identificação do diagnóstico técnico-atuarial para encerramento dos exercícios contábeis.
Alguns ensaios atrelados às boas práticas atuariais já até estavam previstos na Portaria nº 403/2008, a exemplo da necessária adequação e aderência das hipóteses atuariais, algo que passava despercebido pelos gestores. Corrobora com esse olhar a ausência, na imensa maioria dos RPPS, de estudos estatísticos efetivos para verificar a aderência, por exemplo, das tábuas de mortalidade, tábua de entrada em invalidez, crescimento salarial, taxa de juros, entre outras hipóteses. O mais comum, até então, era a adoção das premissas estabelecidas como parâmetro (mínimo ou máximo) pela referida norma, mesmo que estivessem incompatíveis com a realidade dos segurados do regime.
E, por isso, aqui vem parte da explicação da afirmação feita como ressalva inicial:
Se os modelos atuariais adotam hipóteses incompatíveis com a realidade dos segurados de um RPPS, é possível que o passivo atuarial esteja subdimensionado, levando a resultados, equivocadamente, superavitários. Por outro lado, se fundamentados em estudos técnicos, são adotadas hipóteses aderentes à realidade, pode-se apurar resultados deficitários, mas fidedignos à realidade, o que direciona o gestor às medidas necessárias a serem adotadas visando a sustentabilidade do plano de benefícios.
Dai se pode destacar que, antes a apuração de um resultado deficitário que seja fidedigno à realidade, que apurar falsos superávits que levarão o RPPS à insolvência futura.
Afinal, quando procuramos um médico, não queremos dele o diagnóstico real para que possamos tomar a medicação correta? De que adiantaria a afirmação de uma virose, se com base em exames mais aprofundados se tenha a convicção de uma doença crônica?
Fato é que aos poucos temos enxergado avanços! Se inicialmente a certificação dos gestores dos RPPS se limitava a verificar suas respectivas habilidades na gestão dos ativos (investimentos), o programa pró-gestão tem mostrado que bons gestores devem possuir conhecimentos mais amplos, que envolvem também o passivo de seus RPPS.
Convenhamos: O objetivo principal de um RPPS não é alcançar as melhores rentabilidades, mas garantir, com segurança, o pagamento dos beneficiários previdenciários. Por isso a importância de se olhar com cuidado ao passivo atuarial.
Mas feito esse preâmbulo, o que vem a ser Gestão Atuarial? Inicialmente, podemos enxergar a gestão atuarial como a administração, cuidadosa, das variáveis que interferem na apuração do diagnóstico técnico do plano, como por exemplo, a realização de estudos para análise da adequação e aderência das hipóteses, o processo de seleção de regimes financeiros e métodos de financiamento adequados às características dos benefícios e compatíveis com a sustentabilidade do plano de custeio, observada a capacidade orçamentária (presente e futura) do Ente Federativo, o estabelecimento de uma meta atuarial compatível com a realidade econômica e com o perfil de risco dos investimentos, uma boa gestão cadastral, etc.
Porém, como já mencionado em outros artigos, de maneira mais ampla, podemos enxergar a gestão atuarial como algo que interpenetra todos os processos da gestão de um RPPS. Do cadastro de um novo segurado, à concessão e manutenção dos benefícios, passando pelo mapeamento de processos internos, pela busca da melhoria desses processos, pela institucionalização de um plano de gestão de riscos, até mesmo pela definição estratégica da gestão de investimentos, quando esta deve estar direcionada pelo fluxo estimado de recebimento de contribuições e de pagamento de benefícios.
Isso porque tudo está conectado, quando se trata de gestão previdenciária.
a) Um erro cadastral, por exemplo, pode levar à apuração de um passivo atuarial subestimado ou superestimado, incompatível com a real necessidade do RPPS; b) A ausência de um processo bem estruturado pode levar à concessão de um benefício em valores equivocados; c) Por falta de uma perícia médica, é possível que haja concessão de uma aposentadoria por invalidez não devida; d) Quanto à gestão dos investimentos, a compra de títulos mais longos que o passivo atuarial poderia, ainda, gerar um risco de liquidez, não havendo recursos disponíveis ao pagamento das rendas; e) Nesse mesmo cenário, a ausência de governança estruturada na gestão dos investimentos eleva os riscos de aplicações indevidas, podendo levar à apuração de déficits atuariais e a insolvência do regime.
Enfim... Fato é que a gestão atuarial tem passado a uma posição de destaque nos RPPS’s. Sua correlação com os processos operacionais denota seu caráter estratégico e não apenas uma obrigação formal para cumprimento de exigências normativas.
A Portaria 464/2018 tem importante papel nessa transformação! A Secretaria de Previdência, atenta à relevância desse tema, tratou de publicar uma abrangente norma, convergente com as melhores práticas atuariais.
E não se trata de uma norma a ser lida apenas pelos atuários, responsáveis pelas avaliações atuariais para encerramento dos exercícios. Trata-se de um normativo de leitura obrigatória pelos gestores e conselheiros dos RPPS, visto que aborda também a responsabilidade destes quando o tema é gestão atuarial.
Afinal, como se pôde perceber, gestão atuarial é processo contínuo.
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